Finalmente um periódico de grande circulação aborda de forma clara as limitações da dessa autarquia, que não consegue realizar de forma satisfatória sua função pelo mesmo motivo que tantos outros reguladores no Brasil, falta meritocracia para o desemprenho de algumas funções.
A CVM é um xerife desarmado e anacrônico
Diligências feitas
de ônibus, diretores pagando viagens do próprio bolso, impressoras que não
funcionam — o mercado de capitais nunca foi tão sofisticado, e a CVM, tão
anacrônica
Fizeram
isso para encerrar uma investigação de oito meses que apurava se os dois haviam
tido acesso a informações privilegiadas quando apostaram na alta das ações da
fabricante de condimentos Heinz, em fevereiro — um dia antes do anúncio de
venda da companhia para o consórcio formado pelo fundo 3G Capital, do
brasileiro Jorge Paulo Lemann, e a Berkshire Hathaway, do
investidor Warren Buffett.
Os
Terpins, de acordo com a SEC, ganharam 1,8 milhão de dólares com a operação. A
multa é quase três vezes maior que esse valor — mas, se fossem condenados, eles
teriam de pagar mais do que isso e poderiam ser proibidos de comprar e vender
ações nos Estados Unidos. Decidiram, então, fazer o acordo, e as acusações
foram retiradas.
Ah,
se isso tudo tivesse acontecido no Brasil...
É
quase certo que nada teria sido feito até agora. A Comissão de Valores
Mobiliários (CVM),
responsável por fiscalizar o mercado de capitais no Brasil, leva anos para
analisar indícios de irregularidades. Há processos que estão sendo avaliados
desde 2000. Para piorar um pouco as coisas, a autarquia pega leve quando fecha
acordos com os acusados. Quase sempre aceita o pagamento de multas muito
inferiores ao valor supostamente ganho com a operação. Na terra do xerife
desarmado, o crime compensa.
Essas
diferenças — e, especialmente, a lentidão da CVM ao analisar irregularidades —
são apontadas por 22 executivos de mercado, advogados e investidores ouvidos
por EXAME como os efeitos mais visíveis dos problemas que existem hoje na
autarquia brasileira.
O
mercado financeiro do país se transformou nos últimos dez anos — o número de
fundos de investimento se multiplicou, novas aplicações foram lançadas, houve
mais de uma centena de aberturas de capital, Eike Batista veio e se foi —, mas
a CVM funciona mais ou menos do mesmo jeito.
“É
um órgão público, que só pode contratar funcionários por meio de concursos e
tem de aprovar seu orçamento com o governo, mas tem a obrigação de acompanhar
um dos setores mais dinâmicos da economia”, diz o advogado Daniel Tardelli
Pessoa, do escritório Levy & Salomão. “Muita coisa não está funcionando.”
Funcionários
da CVM ouvidos por EXAME dizem que falta dinheiro para quase tudo.
Recentemente, os técnicos da área de fiscalização do escritório de São Paulo
passaram a visitar gestoras e empresas suspeitas de irregularidade de ônibus
porque a verba para táxi e para gasolina no carro da CVM são insuficientes
(eles ganham 17 reais de diária, que inclui gastos com alimentação e
transporte).
O
diretor Otávio Yazbek diz que, para conseguir participar de eventos
internacionais sobre regulação de mercado, paga parte de suas diárias de hotel.
“Isso é relativamente comum. Não tem jeito.”
Para ele, o gasto é necessário para se manter a par
das discussões de outros reguladores. Recentemente, a diretora Ana Novaes teve
de comprar do próprio bolso um toner de impressora — filas de meia hora para
imprimir documentos são coisa da vida na sede da autarquia, já que quase metade
das impressoras está sem toner. A falta de gente é crônica.
Um
levantamento feito em 2008 pela própria CVM constatou que cada funcionário é
responsável por fiscalizar, em média, 71 fundos e empresas abertas (nos Estados
Unidos, a taxa é de 13 para cada funcionário; no Reino Unido, de dez). De lá
para cá, a CVM fez dois concursos e ampliou seu quadro de profissionais de 468
para 570. O número de fundos aumentou 67% no período.
Uma
consequência desses problemas é que a comissão demora para mudar suas regras e
acompanhar a evolução do mercado. Por exemplo: a CVM não regula a comunicação
feita pelas empresas nas redes sociais.
Como
fez a SEC no começo deste ano — e depois de receber reclamações de
investidores, especialmente de gente que perdeu dinheiro com as companhias de
Eike Batista, um contumaz usuário do Twitter —, a CVM passou a discutir uma
alteração em sua instrução 358, que trata da forma como as empresas devem se
comunicar.
Até
hoje, os processos para investigar irregularidades tramitam em papel (o que
talvez explique o drama das impressoras). Segundo um levantamento do escritório
Levy & Salomão, hoje a média de tempo gasto desde o momento em que a CVM
identifica uma irregularidade e faz a acusação até o julgamento chega a 723
dias, ou quase dois anos, 12% mais que em 2012.
Não
é surpresa que processos importantes estejam parados. Em dezembro de 2009, um
dia antes do anúncio da fusão entre Pão de Açúcar e Casas Bahia, as ações da
Globex, dona da rede de eletrodomésticos Ponto Frio (do Pão de Açúcar), subiram
35%. Na época, a CVM disse que investigaria o caso, mas não abriu sequer um
processo formal.
Além
disso, a autarquia ainda não julgou o caso da valorização das ações da
fabricante de alicates Mundial — que, em 2011, subiram quase 3 000% e passaram
a ser mais negociadas do que as da Petrobras. O caso começou a ser investigado
pela CVM em parceria com a Polícia Federal há dois anos — em dezembro de 2012, o
Ministério Público Federal entregou à Justiça uma denúncia contra dez suspeitos
—, mas a autarquia, até agora, não puniu ninguém.
Passo
de formiga
Mudar
essa situação é o desafio do atual presidente da CVM, Leonardo Pereira, que
está atacando prioridades. Uma delas é criar um sistema para que os processos
sejam digitalizados. Tem dado um trabalhão. Há um funcionário responsável por
fazer isso no único escâner que funciona (dois estão quebrados) no 2º andar do
escritório da CVM no Rio de Janeiro.
“Sei
que são passos de formiga. As pessoas gostam de coisas rápidas. No momento,
estamos diagnosticando os gargalos”, diz Pereira, que está também reformulando
o site da CVM, uma demanda antiga do mercado financeiro. Em conjunto com
comitês que reúnem cerca de 200 pessoas, ele está concluindo um plano
estratégico para os próximos dez anos. As dificuldades são tremendas.
Ex-diretor
da Gol, Pereira estabeleceu metas, como zerar o estoque de casos em análise que
surgiram antes de 2010 — mas ninguém na CVM ganha bônus se cumprir metas, o que
dificulta tudo. Com exceção do presidente e dos diretores, os demais
funcionários precisam ser concursados e só podem ser demitidos por justa causa.
Muitos funcionários estão descontentes — por
diferentes motivos. Parte critica a falta de recursos da CVM. Outra parcela é
contra algumas mudanças. Na primeira semana de julho, Pereira reuniu 200 deles
num restaurante para que falassem sobre os problemas de sua área e dessem
sugestões. Quem não quisesse se expor podia escrever ideias num post-it e
colá-lo numa parede. No fim do encontro, havia mais de 1 000 bilhetinhos ali.
Por enquanto, é mais papelada para analisar.
Fonte: Exame.
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